Comemorar a proibição da mercantilização da advocacia é vitória ou retrocesso?

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A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), via Conselho Federal, vem realizando uma série de fiscalizações nas legal techs ou law techs (startups que atuam com tecnologia voltada ao direito) e em advogados que se utilizam das redes sociais como forma de divulgação de seus trabalhos.

De acordo com a OAB, sua intervenção visa evitar prejuízos à advocacia. Vejam o trecho de matéria publicada no dia 1º de junho de 2021:

O volume de disputas na Justiça entre consumidores e empresas aéreas nos últimos anos pode estar relacionado ao aumento da atuação de lawtechs que antecipam valores a passageiros insatisfeitos e, em troca, ficam com parte de uma eventual indenização. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem combatido a conduta argumentando se tratar de exercício indevido da advocacia. Agora, a entidade obteve uma vitória na primeira instância contra uma dessas empresas.

[…]

A OAB afirmava que os serviços de assessoria jurídica da empresa são “publicidade ilícita e mercantilização da advocacia”, práticas vedadas pela Lei 8.906/1994.

Não queremos nem entrar no mérito de que é muito mais lógico relacionar o aumento de disputas judiciais entre passageiros e companhias aéreas à má prestação de serviços e da facilidade da disseminação de informação que os meios de comunicação proporcionam.

Nosso foco, neste artigo, é discorrer sobre como a OAB se esforça para fazer valer vedações instituídas em 1994 e 1995 e que, com certeza, mais prejudicam do que protegem os advogados e seus clientes.

O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906 de 1994) veda a “captação indevida” de clientes e a “mercantilização da profissão” que, aliado ao Capítulo IV do Código de Ética da Advocacia (de fevereiro de 1995), só permite a publicidade na advocacia desde que esta seja discreta, moderada e de cunho exclusivamente informativo.

O curioso é que um dos principais fundamentos da OAB para vedar a publicidade para o oferecimento de serviços advocatícios é não permitir que os altos custos de publicidade em um jornal de alta circulação, no horário nobre em uma mídia televisiva ou em um outdoor, impeçam uma justa concorrência entre os grandes e já consolidados escritórios de advocacia – que podem arcar com tais custos – e a grande massa de advogados em início de carreira, que só aumenta a cada semestre letivo.[1]

À época (26 anos atrás), os custos com publicidade nos poucos meios disponíveis (rádio, jornal impresso e televisão) eram elevados e inacessíveis aos pequenos e médios escritórios de advocacia. E por isso surgiu a proibição, na tentativa de proteger os pequenos e médios profissionais jurídicos. Só que o problema aumenta quando a ótica se inverte.

Em decorrência dos avanços tecnológicos, hoje em dia é muito mais fácil, barato e acessível fazer publicidade (com alcance gigantesco), e ousaríamos dizer que se tornou essencial ao bom desenvolvimento das empresas. Ah, mas escritório não pode ser empresa, né? (contém sarcasmo).

Hoje, com um investimento de R$ 6,00 ao dia, acessível a qualquer profissional, é possível alcançar um público de mais de 10.000 pessoas, inclusive direcionando os anúncios a grupos específicos. No entanto, na atualização do Código de Ética em 2015, foi incluído o art. 45, cujo parágrafo único veda o oferecimento de serviços jurídicos pela internet.

De maneira rápida, o primeiro problema é esse: a proibição à mercantilização da advocacia surgiu num cenário que não mais existe e hoje atrapalha mais do que ajuda à própria classe. (Sugerimos fortemente a leitura do artigo Publicidade na advocacia: da proteção ao desamparo).

Mas o problema não termina aqui. Pelo contrário, é muito maior do que uma simples tentativa de proteção do “pequeno advogado”. Toda essa situação relembra o livro A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, que retrata como as intervenções estatais (no caso, de um órgão de classe de contribuição obrigatória) prejudicam a liberdade econômica e deixam o indivíduo (o advogado) e seu direito de escolha em segundo plano.

Num dado momento do enredo, a fim de ajudar os empresários que não conseguem sobreviver, esmagados pela concorrência, o Governo instaura uma “Resolução anticompetição desenfreada” e edita uma “Lei de Igualdade de Oportunidades”, normas que, basicamente, impedem os melhores de continuar a exploração de sua atividade de forma lucrativa e favorece outros, além de obriga-los a partilhar suas atividades, bens e patrimônio com os demais, a fim de trazer mais justiça e igualdade ao mercado.

Assim como no livro, para desespero da economia de mercado, estamos vivendo situação semelhante, visto que, estas proibições tratam desigualmente os iguais, afinal, todos são advogados, com o mesmo acesso à internet e publicidade (de baixíssimo custo), implicando, em pasmem, desigualdade.

A OAB, ao impedir a publicidade, impede que o pequeno se jogue ao mercado com os grandes já o fazem. Ou seja, a OAB aumenta a distância de concorrência entre o pequeno e o grande, e consolida uma concorrência desleal. Contraditório, não parece?

E mais, a atuação da OAB traz prejuízo também ao cliente, ao cidadão que precisa contratar um advogado. A ideia de que a vedação à publicidade protege o cidadão de contratar serviços ruins é uma falácia.

A OAB tem que lembrar que o cidadão é livre para escolher quem vai lhe prestar o serviço, não cabendo à Ordem escolher pelo cidadão, sob a falsa justificativa de “proteger” essa pessoa capaz e livre. Menos proteção é mais liberdade.

Já passou da hora de a OAB compreender mais o mercado e se reinventar, retirar essas amarras conservadoras que, na verdade, são a causa da “concorrência desleal” mencionada, na medida que, ao limitar a atuação do advogado empreendedor, impede-o de concorrer livremente no mercado.

O mercado impõe que a advocacia seja tratada como um negócio e os escritórios tratados como empresas.

Realmente, a função da OAB não é passar a mão na cabeça do advogado. Este, empreendedor que é (e não tente me convencer do contrário), tem que ir para o mercado e competir, de forma justa, com os demais, sejam advogados ou legal techs.

Não cabe à OAB buscar uma reserva de mercado, prejudicial em todos os sentidos para todos, inclusive para os advogados. A Ordem deveria lutar pelo livre mercado ao referido “consumidor”, onde este é que vai escolher quem vai lhe prestar o serviço. A liberdade de escolha é uma das mais lindas formas de expressão da liberdade.

E só a liberdade vai permitir o efetivo acesso à justiça e o desenvolvimento de serviços jurídicos mais eficazes e mais preparados para resolver os problemas da atualidade.

Ao escolher o advogado X, o escritório Y ou a empresa Z, o indivíduo está optando por aquilo que entende que mais lhe agrega valor. E isso vale para qualquer atividade econômica. O indivíduo sempre tem que ser livre para escolher (lembremos Milton Friedman), sem imposição de quem quer que seja, outro indivíduo, OAB ou Estado.

Quando opta, sem intervenções, pelo que lhe é melhor, a sociedade é beneficiada, pois o obsoleto, o atrasado, o ruim, é deixado para trás. Ou melhora ou vai sucumbir à sua própria ineficiência, constatada pelo melhor termômetro de todos: “o interesse individual da sociedade”.

Logo, as legal techs são uma evolução da advocacia estática e antiquada. Todas as profissões evoluem e fazem uso da tecnologia, por que deveria ser diferente com a advocacia? O conceito de destruição criativa de Schumpeter precisa ser compreendido e aceito pela OAB e pelos advogados que querem sempre que a “mãe-OAB” os proteja.

O mercado não aceita mais esse tipo de profissional, e tem provado isso dia após dia, vide UBER, AIRBNB e inúmeras outras empresas que surgiram para destruir o velho e criar o novo, que agrega mais valor, eficiência e retorno ao consumidor/cliente.

No final das contas, cada “vitória” comemorada pela OAB representa um retrocesso na busca pela evolução da advocacia.


[1] André H. Paris e Anna Luiza C. Guerzet. Publicidade na advocacia: da proteção ao desamparo. JOTA. Disponível em: <https://www.jota.info/carreira/publicidade-na-advocacia-da-protecao-ao-desamparo-23082019>.

Marcelo Otávio Otávio de Albuquerque Benevides Mendonça – Advogado e sócio do Mendonça & Machado Advogados.
Gustavo Martins Nascimento Rossetti – Advogado e sócios do Mendonça & Machado Advogados

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